26.6.06--------------------Publicado.
O Álcool Perílico (perillyl alcohol) no Tratamento de Tumores Cerebrais
Informações sobre as promissoras pesquisas com Gliomas Malignos desenvolvidas na Universidade Federal Fluminense.
O Professor Cid Buarque de Gusmão(1), um proeminente oncologista, inicia seus comentários sobre o conteúdo de um artigo publicado nos Arquivos Brasileiros de Oncologia(2) com as seguintes frases: “Nos últimos 25 anos, o tratamento dos tumores primários cerebrais apresentou poucos progressos. Apesar dos desenvolvimentos na cirurgia e radioterapia, a sobrevida dos pacientes com glioblastoma multiforme, o mais freqüente dos tumores cerebrais em adultos, permanece desapontadora.” Do outro lado do mundo, dois meses depois, pesquisadores australianos chegam praticamente às mesmas conclusões sobre a evolução do tratamento de Astrocitomas e Oligodendrogliomas (dois tipos de tumores cerebrais) nas últimas duas décadas (3).
Nos mesmos períodos citados acima, o tratamento de diversos cânceres avançou a passos largos, obtendo-se enormes vitórias, porque então o mesmo não aconteceu com os tumores cerebrais? Sou limitado para responder a esta pergunta, mas aparentemente a grande diferença se faz notar nos quimioterápicos utilizados para os gliomas malignos, eles têm um nível de eficácia muito inferior àqueles prescritos para algumas outras doenças semelhantes. O tratamento de muitas das neoplasias tumorais tipicamente envolve cirurgia, radioterapia e quimioterapia, nem sempre as três coisas. Se, como diz o Professor Cid, as técnicas cirúrgicas e radioterápicas avançaram, é mais do que lógico afirmar que quem ficou para traz em evolução foram os quimioterápicos.Recentemente (em 2005), o FDA, órgão do governo americano que aprova e controla medicamentos, aprovou o uso da Temozolomida (Temodal) como primeira opção de tratamento quimioterápico para Glioblastomas Multiformes. Esta substância representa um razoável avanço nos resultados, principalmente quando comparadas a drogas anteriormente em uso, como BCNU ou VCP, para as quais se suspeitava inclusive de uma ineficácia total. Com o uso do Temodal após cirurgia e radioterapia, o número de pacientes que atingem uma sobrevida de dois anos aumentou cerca de 160% em relação ao número de pacientes que atingiam esta mesma sobrevida apenas com cirurgia e radioterapia. Sendo assim, por que motivo classifico os resultados do temodal apenas como razoáveis? A razão é simples, uma análise matemática (cuja explicação não cabe aqui) demonstra que o temodal não produz resultados minimamente adequados para cerca de 83% dos pacientes tratados com ele. Apesar do avanço, 74% dos pacientes diagnosticados com glioblastoma morrem antes que se passem dois anos do diagnóstico, mesmo usando o temodal.Partindo desta perspectiva aterradora, bem cedo comecei a pesquisar alternativas terapêuticas que pudessem ampliar as chances e a qualidade de sobrevida de meu pai. Em uma ocasião, não me lembro onde nem de quem, recebi a informação de que um médico do Rio de Janeiro estava testando uma nova droga chamada Álcool Perílico com bons resultados. Como já estava perdido em meio a uma quantidade enorme de informações e conceitos novos, anotei o nome entre aqueles para os quais pretendia fazer uma revisão da literatura científica e lá ele ficou, esperando a sua vez. Posteriormente, na comunidade sobre Glioblastoma Multiforme do Orkut vi várias pessoas mencionarem o Dr. Clóvis Orlando da Fonseca e o Álcool Perílico, inclusive algumas cujos parentes já estavam usado esta substância e participando do programa de estudos desenvolvido pelo médico. Instigado por este fato, recorri ao Google Acadêmico (que só apresenta resultados científicos) e ao PubMed (biblioteca de artigos de ciência médica) para avaliar o quanto o Álcool Perílico (perillyl alcohol) estava sendo estudado como opção de tratamento. Acabei ficando surpreso. No Google Acadêmico existem 683 respostas possíveis e no PubMed 147. Em ambos casos, muitas vezes associados ao tratamento de câncer. Inclusive o Dr. Clóvis tem três artigos listados no PubMed.Algum tempo mais tarde, mantive contato por e-mail com o pesquisador e recebi cópias de vários trabalhos científicos acerca do Álcool Perílico por ele publicados, em associação com outros pesquisadores. O grupo do qual o Dr. Clóvis faz parte tem pesquisado este tema há vários anos e é formado por professores da UFF – Universidade Federal Fluminense. Eles iniciaram com o tipo de pesquisa de medicamentos mais básica que existe, aqueles em que as substâncias são testadas em células separadas dos organismos, também chamada de teste “in vitro”. À partir daí evoluíram com testes em animais, experimentaram o uso em alguns indivíduos isoladamente e , no momento atual, têm autorização para realizar um estudo clínico com um número maior de pacientes portadores de tumores cerebrais. Este último tipo de estudo só pode ser realizado com a provação prévia do Conselho de Ética, aprovação esta que eles possuem.Por solicitação minha, o professor Clóvis e a Profa Thereza Quirico-Santos redigiram o texto abaixo, descrevendo as origens, propriedades, aplicação e eficácia do Álcool Perílico, e permitiram que eu o publicasse neste blog. Dado que alguns dos termos utilizados por eles podem ser muito técnicos e de difícil entendimento para os leitores, tomei a liberdade de acrescentar algumas explicações, que aparecem entre parênteses e em azul. Estes incrementos foram aprovados pelos dois pesquisadores
O Álcool PerílicoPor Professor Clóvis Orlando da Fonseca e Professora Thereza Quirico-Santos.“O álcool perílico (AP) é um lipídio presente como óleo essencial nos vegetais, sendo responsável pelo aroma e oleosidade das frutas (cítricas), folhas como couve, hortelã, salsa, aipo, coentro, agrião, alho poró e sementes (ex. cereja). Essa substância tem propriedades importantes na regulação do ciclo celular (controle de como as células se reproduzem); ativação do sistema de morte celular por um processo conhecido como apoptose, que não é lesivo para as outras células e estruturas vizinhas, e inibição da angiogênese e da migração celular, bloqueando a formação de metástase. Desde o início da década 90, o álcool perílico vem sendo utilizado nos Estados Unidos, no tratamento de pacientes com câncer em estágio terminal. Os resultados foram bastante promissores, tanto que foram autorizados estudos clínicos fase II (com seres humanos) mais amplos. Contudo, como o AP era administrado pela via oral, causava transtorno no metabolismo além de também causar efeitos adversos, como náuseas e um quadro de dislipidemia. Na administração pela via oral, o AP é metabolizado (absorvido) no fígado, mudando para outra forma química, exigindo utilização de doses elevadíssimas. Trabalhos do nosso grupo mostraram que o AP tinha efeito inibindo o crescimento de células tumorais de origem no sistema nervoso. Idealizamos então administração pela via inalatória para que o acesso fosse direto no sistema nervoso e com maior difusão nas mucosas (células que revestem a parte interna do nariz), ativando o sistema imune (importante nos tratamentos de câncer) e evitando a metabolização no fígado. A via inalatória atinge de modo bastante eficiente o sistema imune associado a mucosa e o sistema nervoso inibindo a proliferação de células anormais. No protocolo de administração do AP pela via inalatória levamos em consideração o ciclo celular. Nas células normais cada ciclo de proliferação ocorre aproximadamente a cada 12-18hs, enquanto nas alteradas (do tecido tumoral) o tempo é muito curto (6-8hs). Baseado nestes dados foi sugerido a administração do AP 4x ao dia. Também sugerimos que fosse feito afastado das refeições, adequando o horário às atividades cotidianas, porém levando em consideração o ciclo celular e a distância entre as refeições. Atualmente sabe-se que o crescimento tumoral é facilitado pela inflamação, oriunda da necrose (morte) das células tumorais. Com isso há formação de edema (inchaço) no local, ou seja, a retenção de líquido com fatores de crescimento que aumentam a proliferação celular, inibem os genes supressores (que podem ajudar a conter o câncer), ativam a formação de vasos sanguíneos alterados (neoangiogênese) favorecendo o crescimento do tumor e a metástase. Portanto, uma estratégia de controle do crescimento tumoral desordenado seria reduzir o mais possível a inflamação e o edema. A prescrição de antiinflamatórios do tipo esteroidal (decadron) corticosteróide, visa diminuir a inflamação e o edema local, só que essa droga é um imunossupressor (deprime a imunidade) muito potente, levando o indivíduo a desenvolver infecções oportunistas geralmente com evolução grave. Uma proteína plasmática (albumina) presente em concentração alta no plasma e fluidos biológicos (líquidos do organismo) tem como uma função importante regular a distribuição de líquido no organismo, regulando a pressão osmótica e oncótica. Nos processos com grande proliferação celular (ex: câncer, infecção) a concentração das proteínas plasmáticas e principalmente albumina fica bastante reduzida, sendo este um fator de prognóstico importante. Neste protocolo de utilização do álcool perílico solicitamos aos pacientes que tenham uma dieta adequada de modo a repor os fatores (nutrientes) que estão sendo consumidos pela proliferação tumoral. Sugerimos que diariamente seja preparado, pelo menos uma vez ao dia, um suco de frutas, com cenoura ou beterraba e uma folha de couve crua e adicionando uma colher de sobremesa de albumina em pó sem sabor. No almoço ou jantar uma sopa ou caldo de legumes, com uma carne e adicionado antes de bater no liquidificador um dos vegetais que são muito ricos em derivados do álcool perílico: salsa, agrião, hortelã, coentro, aipo, brócolis ou alho poró. Temos evidências que o AP ativa o sistema imune, especialmente das células citotóxicas naturais que controlam de forma eficiente a proliferação de células alteradas e infectadas por vírus, ou outros parasitas. Gostaríamos de lembrar que o sistema imune é muito sensível às influências dos hormônios do estresse, que inibem atividade das células citotóxicas naturais, muito importantes no controle anti-tumoral.”“.
Para terminar este artigo cito novamente o texto escrito pelo Professor Cid Buarque de Gusmão, cujas opiniões eu partilho e endosso:
“Ainda temos um longo caminho a percorrer no tratamento dos gliomas cerebrais. Porém, qualquer avanço só será alcançado através dos estudos clínicos. Devemos, assim, encorajar nossos pacientes a participar dos estudos em andamento. Como médicos, deveríamos fazer um esforço conjunto, na criação de grupos nacionais de tratamento e pesquisa de patologias como essa, onde o sucesso só será alcançado através do esforço conjunto. Enquanto isso, devemos encorajar e comemorar pequenas vitórias como esta.”
(2)Referências:(1) Cid Buarque de Gusmão - Diretor do Centro de Oncologia do Hospital 9 de Julho, São Paulo, SP. Membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, American Society of Clinical Oncology, European Society for Medical Oncology. Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (1998-2001). Presidente da Sociedade Paulista de Oncologia Clínica (1998-1999).(2) Arquivos Brasileiros de Oncologia pg 85-92, setembro de 2005.(3) What progress has been made in surgical management of patients with astrocytoma and oligodendroglioma in Australia over the last two decades? Smith SF, Simpson JM, Sekhon LH. Department of Neurosurgery, Royal North Shore Hospital, St. Leonards, NSW Australia.